Agora, com o Metro cá em Matosinhos praticamente não tenho realizado uma das experiências mais radicais que temos oportunidade de viver no dia-a-dia – Andar de Autocarro
- Andar de autocarro? Experiência radical? – Perguntam vocês.
- (…)
- Pois, então, atentem nos seguintes aspectos e vejam se depois não partilham a minha ideia.
A surpresa: O factor surpresa é, provavelmente, um dos mais importantes nas viagens de autocarro. Nunca sabemos a que horas passa um autocarro nem se vem a abarrotar até à porta ou se virá vazio. E lá estamos nós na paragem fustigada pelo vento e pela chuva ou então abrasada pelo sol, a olhar para o horário dos transportes e a tentar perceber porque é que, se no horário há indicação de um autocarro que passa às 8h00, são 8h45 e nós ainda estamos ali. Entretanto, distraímo-nos da questão, viramos costas para ver uma montra ou um cãozinho que passa e, zás! Lá vai o autocarro rápida e desenfreadamente... e nós continuamos ali.
A emoção, a ansiedade: Quando finalmente conseguimos apanhar um autocarro há dois cenários possíveis: ou este vai cheio até à porta ou está praticamente vazio - com meia dúzia de pessoas de aspecto nada recomendável.Se o autocarro for cheio, primeiro há que tentar passar por entre as pessoas até conseguir validar o bilhete. Depois de cerca de 327 pisadelas, 7 cotovelos enfiados no estômago e 4 puxadelas de cabelo lá conseguimos "picar" a senha. Em seguida, e com o cuidado de pôr em prática algum do civismo que possuímos, tentamos avançar até ao meio do autocarro para não ficar a obstruir a porta... Má ideia! Acreditem que passar por entre senhoras com 1 m de envergadura que se plantam no meio do corredor central com as pernas abertas para se equilibrarem, adolescentes que abanam freneticamente a cabeça ao som de Rammstein, jovens raparigas que tentam a todo o custo que não lhes toquem nem num fio de cabelo e putos barulhentos e irrequietos é uma tarefa do mais emocionante que pode haver.Se o autocarro for vazio sentamo-nos num dos lugares perto da porta, talvez o segundo ou terceiro que encontremos. Eis senão quando entra uma senhora de idade avançada com 4 ou 5 sacos de compras na mão e que, com uma imensidão de lugares à sua disposição, vai querer sentar-se exactamente no lugar em que estamos. Depois de duas ou três tentativas para convencer a senhora a "desamparar a loja" lá temos de lhe ceder o lugar e ouvir coisas como "Esta juventude está perdida..." ou "Anda aqui uma mulher a trabalhar...".
Pura adrenalina: Como qualquer desporto radical que se preze a viagem de autocarro tem de disparar a produção de adrenalina. E é o que acontece! Senão, vejamos.O motorista arranca da paragem e, ainda estamos a tentar sair de perto da porta e já ele fez uma travagem brusca pois viu um gatinho a tentar atravessar a rua e, como está bem-disposto, até vai parar. Isto dá direito a uma nódoa negra no braço que embateu violentamente na frente do autocarro. Quando já estamos bem seguros a um apoio no corredor do autocarro, começam as curvas e contracurvas. E lá vamos nós a balançar: ora pisa a senhora que vai ao nosso lado e olha para nós como se nos fosse matar, ora dá uma cabeçada ao senhor que vai mais atrás e que cheira a cerveja, ora leva com a mochila de uma miúda nas pernas, ora caem em cima de nós 2 ou 3 senhoras que não tiveram tempo de se segurar. Depois, mais uma travagem brusca - por causa de um carro que vinha da direita e não tinha nada que se meter - e lá vamos todos: cabeça e tronco para a frente, pernitas para trás. A seguir, uma aceleradela brusca e desta feita cabeças e troncos para trás e pernitas para a frente, todos coordenados. Um autêntico bailado, um Lago dos Cisnes contemporâneo e em movimento... coisa má’linda!!
O aroma: Geralmente, os desportos radicais são praticados ao ar livre e podemos sentir o aroma da Natureza. No autocarro também... podemos sentir o aroma da natureza humana.É em viagens matinais que se percebe a quantidade de pessoas que não lavam os dentes quando estas bocejam e espalham pelo ar já saturado do transporte o cheiro à cebola da salada do último jantar. Nas viagens de fim do dia os hálitos já estão salpicados de cerveja, toucinho e café e somos ainda surpreendidos pelo cheiro a suor e a pés que já fizeram muitos quilómetros – o chamado chulé.
Como vêem, andar de autocarro é puramente radical...
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